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domingo, 30 de novembro de 2025

Meiguice


A você, mulher inebriante!

 

Olhar afetuoso, sublime, esgueirado entre corpos esquecidos nos afazeres de trabalho,

perdura em minha direção, curioso, abstraído em desejos contidos.

Sorriso suave feito pluma que escreve no ar histórias possíveis,

fantasias não realizadas,

beijos perdidos em futuros incertos,

realidade esvaziada de bocas desencontradas,

marcadas por escolhas bifurcadas entre ela e eu.

Lampejo do passado que viaja pelo tempo espiralado,

antes e agora se misturam no encontro de olhares cálidos,

reconexão de almas a um toque da dimensão sublime do bem-querer,

dilui-se no tempo contado pelo relógio até o horário do adeus.

Caminha pelo salão lotado,

às vezes me olha de lado,

olhar introvertido que somente corpos afins entendem o significado.

Paixão repentina, perdura ou somente escreve na memória breves instantes eternizados?

Olha-me nos olhos, perdendo-se em anseios, enquanto seu corpo reprime um abraço,

pois o seu sentimento seria revelado, mediante o calor de corpos entrelaçados.

Sorriso de um talvez, abraço contido na despedida,

carrega o desejo apertando o coração.

Seria tudo ilusão? Ou seria disfarce, bloqueando a curiosidade que antecede a paixão?

Lá vai ela, a mais bela, subindo as escadas, acompanhada da nobreza de sua simplicidade.

Que os momentos felizes te acompanhem em toda a tua jornada, meiguice sublime, coração de jasmim, encanto inebriante, sentimento sem fim.


Poema publicado na Barbante - Revista Literária, ISSN 2238 -1414, Volume XIII – Núm. 132 – 06 de dezembro de 2025, p. 75-76.

Link da Revista: https://revistabarbante.com.br/wp-content/uploads/2025/12/Volume-XIII-Num.-132-06-de-dezembro-de-2025.pdf

Imagem de CharlVera by Pixabay.

domingo, 3 de agosto de 2025

FRAGMENTO DE ETERNIDADE

 A você, mulher misteriosa, em visita à Coimbra!


Sonhos entrelaçados em fragmentos de tempo,

respostas incertas para perguntas incrédulas,

miragem e realidade cortam o espaço que nos separa,

imagem arquivada em lentes que sequestram o instante,

tornando-o eternidade.

Olhos amendoados disparam sinais,

decifra-me enquanto morro para o passado,

contorne meus lábios, símbolos de arte abstrata,

retorna das profundezas do pensamento

perdido em tantas camadas de contornos salientes,

observáveis nitidamente por olhares sincronizados.

Acelera o presente, rapidamente,

temos urgência em tocar belezas com mãos de sentimentos,

flutuando em rios caudalosos de ritmos cardíacos acelerados,

quase visíveis em trajes menos ousados.

Discreta, caminha pelo corredor,

meu pecado tão doce,

trazida pelo acaso,

se foi,

antes mesmo de eu lhe dizer: bendita seja, você, mulher, alento de suavidade.


Poema publicado na Barbante - Revista Literária,  p. 99, Volume XIII– Núm. 108 – 03 de agosto de 2025, ISSN 2238-1414, Natal, Rio Grande do Norte, Brasil.

Link para a revista: https://revistabarbante.com.br/wp-content/uploads/2025/08/completabarbante03082025.pdf



sábado, 31 de maio de 2025

Reencontro de Sinas


Ondas modulares desenham contornos solitários no mar,

barcos desaparecem no horizonte nublado,

engolidos pela atmosfera misteriosa

da natureza incógnita.

Procuro seu rosto em nuvens de sonhos,

contornadas por luzes solares

que desenham um arco-íris de desejos

na imensidão azul,

aquecendo sentimentos

e semeando esperanças.

Horizonte nublado ou imensidão azul,

sorte nas cartas de baralho,

escolha intuitiva

entre o cinza e o blue.

Vaga memória de episódios corriqueiros,

fantásticos apenas para aventureiros,

sina marcada por desvios de rota,

na busca incerta por respostas.

Ângulo de observação impreciso,

painel sinalizando perigo,

chuva torrencial castiga a embarcação

de modo imprevisto.

Tufão de saudade,

movimentos de sensações caudalosas,

arrebata o foco da tripulação:

conquistar territórios?

Dança com ciúmes da Lua,

o Destino,

esperando o pôr do sol,

gira, fazendo redemoinhos no mar,

conta o tempo nas espirais da água

salgada feito lágrimas.

Burla a vigilância do medo,

desconstrói o apego

num reencontro de sinas,

em linhas imaginárias do coração.


Poema publicado na revista LiteraLivre, Vol. 9 - nº 51 –Mai./Jun. de 2025. 

Link de acesso para a revista: https://drive.google.com/file/d/1JCOHZwOwIshMB7HgfZNZ8f4Nko2Q78qV/view

domingo, 11 de maio de 2025

Ausência



Saudade da mulher que acena,

de lá,

do outro lado,

o lado da eternidade,

do que ficou guardado no tempo,

da vela branca acesa,

das manhãs abençoadas

pelas orações sussurradas

para Nossa Senhora Aparecida,

das tardes sonolentas em frente à TV,

reprise de novela,

sessão da tarde,

conversas dispersas,

 esquecidas em sonhos de viver.

Saudade de quem se foi,

das histórias transformadas em cinzas,

do pão doce no café da tarde,

das risadas festivas

e dos comentários divertidos sobre a vida cotidiana.

Saudade da casa cor-de-rosa,

do cachorro espiando através da porta semiaberta,

da música diária,

da tua voz cantarolando,

do cheiro de comida,

da tua presença,

mãe.


Poema publicado na revista Barbante, Vol. XIII, n. 95, 11 de maio de 2025, p. 64-65.

Link da revista: https://revistabarbante.com.br/wp-content/uploads/2025/05/completabarbante11052025.pdf

Imagem de Ahep317 por Pixabay.

sexta-feira, 18 de abril de 2025

VERSOS EM FORMAS DE QUARKS

continuum de minha existência navega por anéis espiralados

num “espaço” granulado,

onde o tempo não existe.

 

Informação ad infinitum,

contextualizada em eventos

que parecem ser efêmeros,

mas são apenas parte de um tempo

subjetivamente diferente.

 

Meu espírito habita outros corpos

na renovação eterna da vida.

Ondas de sentimentos em um oceano de gestos indecifráveis,

esperando a palavra mágica

para serem (re)significados.

 

Luz das estrelas em olhares perdidos,

restos de universo em suspiros de saudade,

versos em formas de quarks

poetizam a vida na matéria fluída.

 

Espirais de nostalgia,

corpos entrelaçados,

explosões de vida

em meio a “ordem” que parece caótica

de um sistema auto-organizado.

Possibilidades infinitas,

nada é estático,

movimento ricocheteante,

ora esquenta, ora esfria

no eterno ir e vir da vida.


Imagem de Echonn por Pixabay

quinta-feira, 14 de março de 2024

Fluxo










Luzes cruzam o céu

em direção ao suposto vazio que ultrapassa o horizonte,

limite entre o visto e o desejado,

deixando um rastro de adeus na superfície atmosférica,

ramificando lembranças pelas bordas latitudinais,

irrigando com lágrimas a cidade adormecida,

sonhando com dias vindouros,

perseguidos com o ardor dos desesperados.

 

Falas e gestos ocasionais,

encontros desmarcados pelos ponteiros do acaso,

relógio que flutua numa linha imaginária e retorcida

entre passado, presente e futuro.

Aplausos para o pôr do sol

na hora estabelecida pelas leis da natureza,

tribunal da vida,

onde são julgados os atos desmerecidos

de reconhecimento divino.

 

Vivência efêmera,

sentido desconstruído

pelas ironias da vida.

Pausa para a dor,

experimento de falhas humanas

ou teste do além-vida,

delimitando nichos

na continuidade da existência,

palco de insurgências

comandadas por rebeldes

sem afinidades com o poder autoritário.

 

Guia dos desencontrados,

direcionamento dado por pés alados,

esquinas cheias de ilusões,

de brindes esporádicos

e canções nostálgicas.

 

Vozes espalhadas pelas calçadas,

fluxos de lábios dinâmicos,

ora se encontram em beijos calientes,

ora se afastam aos gritos de desgraçados.

 

Luzes que percorrem o céu da cidade,

mistura de eternidade e efemeridade,

início e fim de jornada.

Benção, Universo!

A resposta é uma incógnita,

nem sempre esperada,

talvez,

indesejada,

mas sempre chega

pelo sopro do vento

ou pelo raio no meio da estrada.


Poema publicado na revisa Ecos da Palavra, nº 19, 2024, Porto, PT.

Link da revista: https://drive.google.com/file/d/1JucujmsNi1d7ZAWbEVGR6GWl7bLSjgtD/view?pli=1

Imagem de dakzxz por Pixabay

quarta-feira, 13 de março de 2024

CASA ENVELHECIDA, ESCONDIDA DO COTIDIANO ENFURECIDO

Folhas caídas no chão,

outono,

passos vagarosos encerram um dia tumultuado,

angustiante de lembranças do passado.

Boca que se rompe aos gritos,

antes fechada,

temendo atritos,

ignora o medo

e deságua palavras banhadas em lágrimas.

Vozes da memória lançam um manifesto

para que a noite permaneça em seresta,

acordes melancólicos de ruptura,

ecos sagrados de entrelaçamentos eternos.

No canto da sala uma luz tremulante,

chama que resiste ao vento golpeante

que invade a casa através da janela semiaberta,

derretendo imagens congeladas no tempo

e espalhando cenas presas na mente

que fluem desordenadamente,

agora,

sem correntes.

Olho para a porta do quarto,

aberta,

parece haver vultos escondidos,

esperando um aceno

para se apresentarem como lembranças amigas.

Procuro o vento desordeiro

pelos cômodos da casa envelhecida,

deslocada da contemporaneidade,

escondida do cotidiano enfurecido.

Encontro a chama guerreira

de uma vela parcialmente dissolvida nas histórias esquecidas

em uma casa vazia.

O ronco do motor do carro,

lá fora,

anuncia a chegada de visita,

é a realidade trazendo uma presença ilusória.

Onde estão as mãos dadas

e os sonhos escritos em diários nunca lidos?

Batidas na porta,

minha alma corre para a penumbra do quarto,

meu corpo caminha em direção oposta,

abrindo a imensidão da realidade,

deixando esvair a estranha saudade

de dias nunca vivenciados.


Imagem de Alicja por Pixabay

A CASA AO LADO DO BAR 54


Furto da sorte no fim do dia,

coração em nostalgia,

desespero de ações disruptivas,

ansiedade por resultados

não esperados.

Planejados pelas mãos divinas?

Cheiro de chocolate,

fábrica de sonhos desencontrados,

meia-noite no farol fechado,

luz vermelha:

Pare, frente ao desespero!

Mãos no volante,

gira à esquerda,

contorna o jardim sem flores,

vira à direita,

rua desolada,

apagada da memória da cidade.

Olhos perdidos no fim da avenida,

vitrine da alma,

absorvida pelas nuances da vida.

Lágrima teimosa,

faz hora,

enrola os sentimentos,

cai, finalmente,

no rosto cansado

de desejar vivências abstratas.

Pé no freio,

um cachorro corre,

atravessa a rua,

buscando sua sina

nas latas de lixo das esquinas,

enlutadas pela noite

que finaliza o dia chuvoso,

enchendo de mistérios

passados ocos,

agregados de nada,

significados do que não aconteceu,

morte sem nascimento,

pensamento caótico

sucumbe à melodia

da esperança de um novo dia,

vinda da janela iluminada

por uma vela,

da casa ao lado

do Bar 54.


Imagem de Dimitris Vetsikas por Pixabay

segunda-feira, 29 de janeiro de 2024

Marias


 










Anestesiada com chantagens,

subjugada aos maus-tratos do patrão

alucinadamente despreparado

para o convívio com quem ele denominava

“empregados”.

Sorria forçosamente

ao ouvir piadinhas indecentes.

Chorava no banheiro,

na hora do almoço

que ela evitada

de tanto desgosto.

Escapulia pelos corredores da empresa,

aflita,

quando ouvia a voz do sujeito machista

a falar besteiras direcionadas às vítimas

como galanteios que enalteciam o seu ego

e metralhavam o estado emocional das mulheres

desgraciadas pelo ato

repudiado internamente

por àquelas atingidas pelas palavras nojentas

pronunciadas por um rato de gravata.

Andarilho sentimental

despeja seu lixo emocional,

dejetos de patriarcado,

em mulheres amarradas ao trabalho ingrato

pela necessidade de sobrevivência

em um sistema que acorrenta

o pobre à escassez e crueza

e o rico à abundância desmedida,

usufruindo do conforto de um cotidiano de luxo

sustentado pela miséria da sociedade

feito um fluxo

milenar e unilateral,

beneficiando apenas a ponta da pirâmide social.

 

Mulher guerreira

denuncia o abuso,

faz um grupo com as companheiras

agredidas pelo mesmo criminoso,

chantagista asqueroso,

usurpador de dignidades femininas,

impondo regras no trabalho

por ocupar verticalmente

a posição de destaque

na empresa que moralmente apodrece

comandada pelo chefe

do bando de machões

fisicamente exaltados,

emocionalmente amedrontados

diante de mulheres empoderadas.

Medo de perder o poder exercido de forma sádica

contra mulheres fragilizadas

por um sistema que perpetua desigualdades,

entre elas,

a opressão de gênero

que coloca em campo de guerra

mulheres acorrentadas

a um modus operandi segregativo

e homens com as chaves das correntes

que se arrastam por séculos de violações,

de intimidações a mortes.

Mulheres guerreiras

denunciam os agressores,

se rebelam contra os opressores,

dando visibilidade para outras vítimas

que também denunciam os abusos

sofridos simplesmente por serem mulheres.

 

Homens ricos,

homens pobres,

moralmente cínicos,

socialmente podres,

a violência tem o mesmo padrão,

a mulher é sempre a vítima

de algum machão.

 

Lei Maria da Penha,

os valentões tremem,

condenados,

às vezes, a justiça não falha,

caminham para as celas de janelas quadradas

feito um jogo de xadrez,

cujos perdedores, neste caso,

 experimentam o tamanho de sua pequenez.

 

Sorriem as mulheres,

Marias,

“juntas somos mais fortes”,

afirma uma delas,

àquela que um dia foi jurada de morte

pelo ex-namorado,

agora, enclausurado em uma cela com mais setenta,

jurado de morte por não se encaixar nas normas dos detentos.

Hoje, ela está mais forte,

trabalha e é dona da própria sorte,

destemida,

pois sabe que sua vida

é mais importante

do que qualquer relacionamento meliante,

ultrajante,

condenado a ser malfadado,

pois baseado

nas imposições do patriarcado.


Poema publicado na Revista Barbante, Volume XI – Nº 58 – 29 de janeiro de 2024, Natal, RN. 

Editores Rosângela Trajano da Silva, Samuel de Souza Mattos, Monalisa Carrilho de Macêdo.

ISSN 2238­1414

Link da Revista: https://revistabarbante.com.br/wp-content/uploads/2024/01/barbantejaneiro2024_merged2.pdf

domingo, 28 de janeiro de 2024

Rua da Saudade

 

Esqueci as cinzas do dia na gaveta do escritório,

roubei uma parte do meu tempo individual,

abri a porta e sai sem rumo,

esperando ver algo miraculoso.

Cabeça perdida entre olhares distintos

nas ruas da metrópole ensandecida,

ausência de encontros desfeitos pelos contratempos,

pares imperfeitos

de dias que nunca encontram noites.

Rodopiei pelo centro da cidade,

altas horas da madrugada,

procurando indícios de tesouros imateriais,

feitos de desejos e fantasias.

Observei o infinito tecido da noite,

bordado com estrelas

que se escondem na manta solar

quando virado pelo avesso.

Senti o vento que percorria a longa avenida,

parecia minha vida,

turbulenta e solitária

feito uma despedida forçada.

Parei no semáforo fechado,

atrás de mim,

 alguns olhares desencontrados

e uma placa que informava o nome da rua que eu estava:

Rua da Saudade.


Imagem de InspiredImages por Pixabay

Partes Incongruentes











Quando os seus olhos mirarem

a nuvem branca num céu acinzentado,

solitária,

esperando anoitecer para ser camuflada,

entenderás minha contrariedade

às meias-verdades

ditas sorrateiramente

ao pé do ouvido,

longe dos sonhos desejados,

acossados

por gestos indecifráveis.

 

Quando você sentir o sol se afastar,

o calor frio da indiferença na presença,

as mãos que sinalizam um “até mais” permanente,

perceberás,

cercado de lembranças

que as chances mínimas,

matérias-primas da esperança,

raramente chegam a se concretizar.

 

Quando você rezar

nas noites do seu desespero,

zelando pelo inalcançável,

agredindo-se em silêncio,

amando o impossível

em ilusões dilacerantes,

cópias de tormentas infernais,

abandonarás o jogo a que foi submetido,

desistindo antes do fim da partida.

 

Quando você ouvir um chamado

explodindo no seu peito,

clichê de autoajuda

sem se desprender da realidade,

entre fatos e crenças infundadas,

sentirás que o caminho foi escolhido,

empurrando-te para a estrada,

alterando o destino,

a rota de sua existência,

confusa e incongruente,

restabelecendo a serenidade

em um espírito sem maldade.


Imagem de Roman Kogomachenko por Pixabay

quarta-feira, 10 de janeiro de 2024

Afetos Permanentes

 À Você, Harmonia do Universo


Brilho intenso,

afago na alma,

toque suave,

mãos aveludadas,

olhar que transcende

espaços e tempos,

presença no agora,

ancorada em histórias

interligadas em teias

de afetos permanentes

situados na mente da criação onipresente.

Sorriso encantado,

cura corações machucados,

arduamente cansados

da batalha cósmica

entre vivências temporariamente desconectadas.

Amor que irradia gratidão,

sonhos vividos em outra dimensão,

abraço apertado

suaviza a saudade

de vidas passadas.

Paz no espírito,

leve feito pétala de rosa,

levada pelo vento,

flutua acima dos problemas,

observa a materialidade se desfazer

no decorrer do tempo.

Eternidade de laços

em suspiros aliviados

da energia densa

dos desafetos traumáticos,

desavenças e disputas

sem sentido na imensidão do universo estrelado.

Choro de felicidade,

amor, verbo conjugado,

substantivo reproduzido

ad infinitum,

abstrato e corporificado

em ritmos que perscrutam intensidades

de olhares que compartilham intimidades.

Símbolo de amor disseminado

através de galáxias

em mundos unidos ao Todo,

de longe imaginado.


Imagem de Chil Charlchil por Pixabay (gerada por IA).

terça-feira, 7 de novembro de 2023

A Vida Continua


Nas curvas de rastros dos raios de sol,

meu olhar se perdia na luz refletida em asfaltos ferventes,

caldeirões de ansiedade de passos apressados

e pneus rasgando a avenida movimentada.

 

Sonhos pendurados nas janelas de prédios,

varais de solidões depois das seis da tarde,

pico de angústia desmensurada,

perdida em retrovisores trincados,

em vozes alteradas

e em risadas de alívio por mais um dia de jornada.


Sapatos gastos no cotidiano exaurido de atrasos,

morte da pontualidade,

exatidão infundada,

vidas emolduradas por linhas do tempo entrelaçadas,

sorriso retirado do passado,

ecoa alegria na mesa vazia,

rosto especulativo,

mergulha no futuro,

sem aviso,

procurando por respostas ditas por lábios duvidosos.

 

Sol queima ao meio-dia,

cerveja gelada,

suspiro de nostalgia.

Lembranças abençoadas,

gargalhadas,

a vida continua mesmo quando parece estagnada.


Imagem de Juliana Moroni

sexta-feira, 1 de setembro de 2023

Corpos Desobedientes

 















Corpo desmembrado da realidade espelho,

o reflexo é o dinheiro,

sangue seco entre os dedos,

pés descalços, cansados

de estradas construídas

por sistemas que semeiam aporofobia.

Deitado na calçada do estacionamento 

cheio de carros importados

de gente grã-fina e sorridente,

permanece o corpo,

morto em vida,

desalinhado do destino desejado,

traçado em sonhos não sonhados,

avulso, desencantado,

encarcerado na sua invisibilidade coletiva.


Corre, desesperada,

pelas ruas do centro da cidade,

a mulher perseguida por homens 

moralmente encarniçados,

sexualmente recalcados,

violência é o sobrenome

dessa turba odienta.

Morta a pauladas 

por Transgredir as regras do patriarcado.

Corpo rebelde,

viola as leis sádicas de uma sociedade doente,

acorrentada a padrões embrutecidos

de convivência.


Corpo jogado numa vala,

o batom vermelho ainda colore os lábios

do sorriso ceifado pelas mãos armadas

do macho rejeitado.

Ele foi seu primeiro namorado, 

recusado, fez-se vingado,

roubando a vida de mais uma 

nas estatísticas de feminicídio.

Crime que já foi chamado de honra,

que vergonha!

tornou-se, perante a lei, penalizado.

A sociedade, aos poucos, desperta

do seu pesadelo naturalizado.

Não é não!

E que fique bem claro:

Basta, patriarcado!


Corpos fugidos de guerras,

oriundos de países lançados às trevas,

esgotados de morte e miséria,

sem pátria,

desaventurados,

acostumados a fugir da desumanidade.

Empatia ou xenofobia?

Depende do fenótipo e da origem do imigrante,

os corpos são julgados pelos olhares impregnados de valores excludentes.

O tratamento com dignidade é oferecido a quem se encaixa no padrão da branquitude ocidentalizada.


Corpos torturados e mortificados,

pisoteados pelo Estado,

bota no pescoço,

fuzil na mão e o sorriso sádico.

Corpos baleados,

em sua maioria,

pretos e pardos.

Corpos algemados,

subjugados, 

marginalizados,

respiram com sufoco

o ar que quase falta.


Corpos sacrificados

pelas crenças num Deus inventado,

a bíblia vira arma 

no púlpito dos falsos profetas,

ovelhas carniceiras,

lobos em peles de cordeiros,

à espera do rebanho desorientado.


Corpos invisibilizados,

desumanizados,

tratados como indigentes.

Corpos avulsos,

não pertencentes,

expulsos da sociedade,

odiados pelas gentes,

estigmatizados em sua expressividade,

encarcerados pela sua natureza.


Corpos desobedientes,

armados de seus desejos potentes,

agarram-se com unhas e dentes

à possibilidade de trilhar outras estradas,

longe da perpetuação da iniquidade,

disfarçada de normalidade,

perpetrada pelas gentes sádicas

nos bastidores de uma vida de horrores.


Poema publicado nos Cadernos Marginais, v. 03, "Corpos que Morrem", Editora Fi, outubro de 2023, organizado por Felipe Rodolfo de Carvalho e Cecília de Castro Algayer. 

Link: https://drive.google.com/file/d/1HeuT3L8gidshY0WWUQkDn_tYoUKneA8L/view?pli=1