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quinta-feira, 14 de março de 2024

Fluxo










Luzes cruzam o céu

em direção ao suposto vazio que ultrapassa o horizonte,

limite entre o visto e o desejado,

deixando um rastro de adeus na superfície atmosférica,

ramificando lembranças pelas bordas latitudinais,

irrigando com lágrimas a cidade adormecida,

sonhando com dias vindouros,

perseguidos com o ardor dos desesperados.

 

Falas e gestos ocasionais,

encontros desmarcados pelos ponteiros do acaso,

relógio que flutua numa linha imaginária e retorcida

entre passado, presente e futuro.

Aplausos para o pôr do sol

na hora estabelecida pelas leis da natureza,

tribunal da vida,

onde são julgados os atos desmerecidos

de reconhecimento divino.

 

Vivência efêmera,

sentido desconstruído

pelas ironias da vida.

Pausa para a dor,

experimento de falhas humanas

ou teste do além-vida,

delimitando nichos

na continuidade da existência,

palco de insurgências

comandadas por rebeldes

sem afinidades com o poder autoritário.

 

Guia dos desencontrados,

direcionamento dado por pés alados,

esquinas cheias de ilusões,

de brindes esporádicos

e canções nostálgicas.

 

Vozes espalhadas pelas calçadas,

fluxos de lábios dinâmicos,

ora se encontram em beijos calientes,

ora se afastam aos gritos de desgraçados.

 

Luzes que percorrem o céu da cidade,

mistura de eternidade e efemeridade,

início e fim de jornada.

Benção, Universo!

A resposta é uma incógnita,

nem sempre esperada,

talvez,

indesejada,

mas sempre chega

pelo sopro do vento

ou pelo raio no meio da estrada.


Poema publicado na revisa Ecos da Palavra, nº 19, 2024, Porto, PT.

Link da revista: https://drive.google.com/file/d/1JucujmsNi1d7ZAWbEVGR6GWl7bLSjgtD/view?pli=1

Imagem de dakzxz por Pixabay

quarta-feira, 13 de março de 2024

CASA ENVELHECIDA, ESCONDIDA DO COTIDIANO ENFURECIDO

Folhas caídas no chão,

outono,

passos vagarosos encerram um dia tumultuado,

angustiante de lembranças do passado.

Boca que se rompe aos gritos,

antes fechada,

temendo atritos,

ignora o medo

e deságua palavras banhadas em lágrimas.

Vozes da memória lançam um manifesto

para que a noite permaneça em seresta,

acordes melancólicos de ruptura,

ecos sagrados de entrelaçamentos eternos.

No canto da sala uma luz tremulante,

chama que resiste ao vento golpeante

que invade a casa através da janela semiaberta,

derretendo imagens congeladas no tempo

e espalhando cenas presas na mente

que fluem desordenadamente,

agora,

sem correntes.

Olho para a porta do quarto,

aberta,

parece haver vultos escondidos,

esperando um aceno

para se apresentarem como lembranças amigas.

Procuro o vento desordeiro

pelos cômodos da casa envelhecida,

deslocada da contemporaneidade,

escondida do cotidiano enfurecido.

Encontro a chama guerreira

de uma vela parcialmente dissolvida nas histórias esquecidas

em uma casa vazia.

O ronco do motor do carro,

lá fora,

anuncia a chegada de visita,

é a realidade trazendo uma presença ilusória.

Onde estão as mãos dadas

e os sonhos escritos em diários nunca lidos?

Batidas na porta,

minha alma corre para a penumbra do quarto,

meu corpo caminha em direção oposta,

abrindo a imensidão da realidade,

deixando esvair a estranha saudade

de dias nunca vivenciados.


Imagem de Alicja por Pixabay

A CASA AO LADO DO BAR 54


Furto da sorte no fim do dia,

coração em nostalgia,

desespero de ações disruptivas,

ansiedade por resultados

não esperados.

Planejados pelas mãos divinas?

Cheiro de chocolate,

fábrica de sonhos desencontrados,

meia-noite no farol fechado,

luz vermelha:

Pare, frente ao desespero!

Mãos no volante,

gira à esquerda,

contorna o jardim sem flores,

vira à direita,

rua desolada,

apagada da memória da cidade.

Olhos perdidos no fim da avenida,

vitrine da alma,

absorvida pelas nuances da vida.

Lágrima teimosa,

faz hora,

enrola os sentimentos,

cai, finalmente,

no rosto cansado

de desejar vivências abstratas.

Pé no freio,

um cachorro corre,

atravessa a rua,

buscando sua sina

nas latas de lixo das esquinas,

enlutadas pela noite

que finaliza o dia chuvoso,

enchendo de mistérios

passados ocos,

agregados de nada,

significados do que não aconteceu,

morte sem nascimento,

pensamento caótico

sucumbe à melodia

da esperança de um novo dia,

vinda da janela iluminada

por uma vela,

da casa ao lado

do Bar 54.


Imagem de Dimitris Vetsikas por Pixabay