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domingo, 1 de agosto de 2021

NORMALIDADE AINDA NÃO RESTAURADA


Caminho pela cidade de ruas vazias,

céu noturno,

a lua vigia o silêncio de vidas trancadas

em redomas de tijolos

com medo do dia seguinte.

Percorro casas abandonadas

por antigos moradores esgotados do nada,

foram embora levando os sonhos

e os pesadelos de perdas em tempos

de reinados de poderes sórdidos.

Olho para trás,

um cão perdido,

caminha devagar,

atento aos meus passos,

desejando abrigo,

receando o ataque do suposto humano inimigo.

Faço um sinal amistoso,

ele caminha e para,

ainda receoso,

prefere seguir por outra rua,

escolhendo a solidão

ao invés de apostar na sorte

de ir na direção de um humano

que poderia ser igual a tantos outros: impiedoso.

Sinto pena do animal solitário,

dentro das casas há lobos aprisionados,

desejando a liberdade,

alguns arriscam,

brincam com a morte,

desprezam os enlutados,

desafiam a sorte.

Encontro um grupo de pessoas,

bêbadas e sorridentes,

vieram de outro mundo,

paralelo ao atual presente.

Escolho outra rua,

a manhã se aproxima,

na padaria da esquina,

o cheiro de pão aquece a esperança

de uma normalidade ainda não restaurada,

de um cotidiano perdido em outra época,

onde tínhamos o futuro,

os apertos de mãos

e os sorrisos,

em um tempo em que viver era óbvio.

 

Poema publicado na revista Cultural Traços, N.3, 2021, editada por Paulo Ras.

Link da revista: https://www.yumpu.com/it/document/read/65793734/tracos-3

Foto de Josh Hild no Pexels