Caminho pela cidade de ruas vazias,
céu noturno,
a lua vigia o silêncio de vidas trancadas
em redomas de tijolos
com medo do dia seguinte.
Percorro casas abandonadas
por antigos moradores esgotados do nada,
foram embora levando os sonhos
e os pesadelos de perdas em tempos
de reinados de poderes sórdidos.
Olho para trás,
um cão perdido,
caminha devagar,
atento aos meus passos,
desejando abrigo,
receando o ataque do suposto humano inimigo.
Faço um sinal amistoso,
ele caminha e para,
ainda receoso,
prefere seguir por outra rua,
escolhendo a solidão
ao invés de apostar na sorte
de ir na direção de um humano
que poderia ser igual a tantos outros: impiedoso.
Sinto pena do animal solitário,
dentro das casas há lobos aprisionados,
desejando a liberdade,
alguns arriscam,
brincam com a morte,
desprezam os enlutados,
desafiam a sorte.
Encontro um grupo de pessoas,
bêbadas e sorridentes,
vieram de outro mundo,
paralelo ao atual presente.
Escolho outra rua,
a manhã se aproxima,
na padaria da esquina,
o cheiro de pão aquece a esperança
de uma normalidade ainda não restaurada,
de um cotidiano perdido em outra época,
onde tínhamos o futuro,
os apertos de mãos
e os sorrisos,
em um tempo em que viver era óbvio.
Poema publicado na revista Cultural Traços, N.3, 2021, editada por Paulo Ras.
Link da revista: https://www.yumpu.com/it/document/read/65793734/tracos-3