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segunda-feira, 3 de julho de 2023

Instantes


















Traços na parede da casa abandonada,

sinais de comunicação conservados pelo tempo,

restos de afetos,

o que sobrou dos instantes

vividos momentaneamente

em espirais abertas em dimensões paralelas.

Custo do esquecimento:

a tristeza que se tornou tormento,

permanente,

dobra os joelhos de indivíduos mais resistentes.

Afago da saudade

ao percorrer os corredores da casa,

o quarto intocado,

a cozinha que ainda conserva o aroma do café

que se espalhava feito cheiro de chuva

trazido por alguma divindade.

Celular velho na cômoda,

cartas abertas,

lidas com paciência,

uma delas contém um poema

escrito há uma eternidade

do presente.

Frases espalhadas pelo papel,

já amarelado,

corroído pelas lembranças

que enterraram a esperança,

dia a dia,

no caixão da melancolia.

Para e atenta para o vento que mexe nas folhas das árvores,

como se fosse um espírito travesso,

a semear medo

por onde passa.

Instantes,

somos apenas breves,

de ocasião,

foi assim comigo,

parece ter sido assim com você,

esquecidas depois de uma noite de sorrisos.

Determinadas,

um ponto nas linhas curvas do tempo,

espiraladas feito meus pensamentos,

enigmáticas feito seus olhos

a me perscrutar por dentro.

Insistente,

assim é a dor de quem sente algum tipo de ausência,

percorre calmamente o interior de cada aposento

de uma casa vazia

feito minha alma a chorar de nostalgia.


Imagem de Stefan Keller por Pixabay

Jornada Sem Fim

Meus pés doíam ao caminhar na estrada infindável

para onde as suas dimensões de sentimentos

abriam portais,

os quais eu buscava incessantemente

atravessar sem relutância,

pressentindo o seu desejo

e antecipando a sua voz me chamando.

 

Minhas mãos estavam paralisadas,

segurando o nada,

a ampulheta vazia do tempo

com areias invisíveis

escorrendo feito uma fina cachoeira

na atmosfera ensolarada.

 

No início eu caminhava a passos largos,

vislumbrando um fim imaginário

de uma estrada espiralada,

sem começo,

nem chegada.

 

Passava horas sonhando acordada,

à noite,

quando o cansaço me derrotava,

sentia os olhares das estrelas

me vigiando,

guardando minha ilusão,

tentando apaziguar minha tristeza

com beleza na imensidão.

 

Durante o dia,

logo no começo da minha jornada espectral,

na aurora de mais uma história sem final,

o aglomerado de pássaros trazia esperança,

sincronizados com a saudade

que eu sentia de percorrer o céu

pilotando nuvens,

sorrindo, ao léu.

 

Durante a travessia,

cantava uma música ininteligível

apropriada para suportar o som do silêncio lancinante

da estrada vazia de almas humanas,

porém,

repleta de seres expressivos

das belezas escondidas da vida.

Comunicava-me através dos rastros dos meus passos,

do assobio que saia suavemente dos meus lábios,

ligando meu destino

ao traçado da sina invisível

daqueles seres abençoados.

 

A jornada sem fim

em busca de suas marcas

deixadas pela sua passagem,

florescendo a gratidão em lugares ermos,

abandonados por almas enfermas

devido a ausência de empatia e união.

 

Brilhava a sua luz afastando nuvens carregadas,

por vezes,

imaginava você sorrindo

para minha falta de coragem

em aceitar o perdão

como uma chave de tempo

que encerraria uma parte de minha trajetória

marcada pelo receio

de viver uma vida imaginária,

alada,

perdida em realidades inventadas.

 

Seguia sem desanimar,

percorrendo aléns

que surgiam de modo aleatório,

olhar fixo no que eu sabia ser o infinito,

rodeado de sonhos intermináveis

e, às vezes,

golpeado por fantasias excessivas,

extrapolando o mundo sensato e tolerável.

 

A realidade me puxava,

feito uma guia

que preocupada com minha desorientação,

permitia que eu voltasse ao caminho comum

percorrido por milhares de outros pés,

orientados para a mesma finitude,

compartilhando as mesmas solidões,

desfeitas em falsas absorções de individualidades.

 

A realidade me segurava,

em vão,

eu procurava outros cantos

ermos de coletividades inventadas,

cheio de abraços desprogramados

e vazio de falsas conexões.

Buscava um ponto de harmonia

entre o que diziam e o que eu via,

uma piscadela do acaso

e o fim do arco-íris.














Imagem de Stefan Keller por Pixabay

Imagem de alberto agostini por Pixabay