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quarta-feira, 29 de setembro de 2021

Fractal Celeste


à Thalita


Exaltação a você,

nesta data de todos os dias

infinitos em sua existência

enquanto parte do divino.

 

Celebração a você,

sonho esperançoso de almas aflitas,

sono que energiza o descanso de guerreiras que lutam pela vida,

espada da justiça,

equilíbrio perfeito entre o possível e o impossível.

 

Glorificação a você,

musa dos jardins etéreos,

rainha das cidades terrenas

onde o certo e o incerto fluem na cadência de corações desconhecidos,

emaranhados em espiral.

 

Consagração a você,

vaivém de sorrisos desafiadores

na inconstância de alegrias terrenas,

sua face altiva encara a frieza de olhares maldosos,

cara a cara contigo,

temerosos,

fogem para becos imundos

escondidos em almas sem luz.

 

Saudação a você,

nesta data de todos os dias,

espírito que busca a verdade através do autoconhecimento,

luz que abençoa os mares em noites estreladas,

calor que aquece os corações em dias ensolarados,

Fractal celeste.


Poema publicado da Revista LiteraLivre, V. 5, N. 29,  editada por Ana Rosenrot, em 29 de Setembro de 2021.

Link da revista: https://www.calameo.com/books/005409554263eccaa49a2

Imagem de  Myriam  Dreamer por Pixabay 

 


Pensamentos de Arranha-Céus


Bateu o copo na mesa do bar: “mais uma!”, dizia com a voz lenta de quem já perdeu as contas de quantos goles bebeu para provar a si mesmo que era feliz. “Mais uma!” era a senha para o seu desespero, os seus desafetos, a sua vida atrapalhada e sem novidades empolgantes. “Mais uma!” e bebia para mascarar os problemas em copos vazios de vida, mas cheios de significados ocultos.

Sentado à mesa daquele bar periférico, com ar de desassossego, longe da turbulência da vida diária, encontrara o refúgio perfeito para quem buscava caminhos que mostrassem soluções feito Oasis em desertos. Oasis era o nome do bar, bem como era também a imagem daquela moça que entrou agitada pelas portas sujas do recinto, um alento para um olhar cansado de morte. Carmen tinha pedido uma caixa de fósforos emprestada para acender o seu cigarro. O dono do bar, num gesto amigável, fez questão de acender o cigarro da moça que conversava algo incompreensível para quem estava distante do balcão. Rubens não conseguia compreender Carmen, que falava num tom pausado, cheio de expectativa.

Olhou em direção à moça, ela sorriu. Rubens se aproximou e se sentou no balcão para entender a conversa dela e do dono do estabelecimento. Carmen dizia que seu maior desejo era experienciar a vida que nunca havia vivido. Fumar um cigarro no topo de um arranha-céu, olhando a cidade do alto, perdida em seus pensamentos e em seu prazer momentâneo. Queria a vida formada por prazeres momentâneos, por suspiros profundos e olhares de satisfação. Enquanto falava sobre seu âmago, os dois homens – Rubens e o dono do bar, o senhor Gimenes – a olhavam perdidos em pensamentos confusos, parte de acordo, parte contrariados. Não estavam contrariados por Carmen desejar prazeres além de sua possibilidade de vida, mas contestavam apenas esses desejos inalcançáveis que perturbavam as suas frustrações mais profundas, esquecidas no canto da memória, afogadas num copo de pinga no Oasis de uma periferia da metrópole. Não eram os desejos de Carmen que os perturbavam, mas o impacto desses desejos na vida de ambos os homens que a observavam com olhos perdidos no passado.

O senhor Gimenes se rendeu à tentação irresistível da bebida, já prestes a fechar o seu estabelecimento, resolveu brindar a noite e os desejos de vidas nunca vividas com Rubens e Carmen, no Oasis. A altura de um arranha-céu era a expressão dos sonhos de Carmen, não tão impossivelmente irrealizáveis, mas fora de sua visão em solo periférico. Rubens, passou as mãos no rosto, num gesto que indicava cansaço e enfado, sorriu e se retirou da conversa. Pagou o que havia consumido e se foi, deixando Carmen consumindo o seu último cigarro e despertando as amarguras e arrependimentos do senhor Gimenes. Quem era aquela mulher que ousava falar sobre sonhos quando presa em uma realidade destituída de possibilidades? Como ela se atrevia a perturbar as suas frustrações assim, com aquele papinho de cigarro em arranha-céus? A vida de Rubens era presa a uma realidade insuportavelmente sistemática, sem tempo para sonhar, sem momentos de prazeres, sem visão de arranha-céus. Carmen tinha visão de arranha-céu. Ia longe, alto e esticava a perspectiva para além do tempo presente, das suas limitações. Carmen vivia a vida sem perder o rumo. Já Rubens, há muito perdera a sua visão de arranha-céu. Era preso ao solo que consumia seus passos num cotidiano enfadonho, triste e sem ilusões. Casamento destruído, sem dinheiro, sobrevivia fazendo bicos como garçom e como vendedor de cachorro-quente. Era formado em direito, mas desistira da profissão cedo, quando se deparou com um caso no qual teria que defender um homem que cometera um assassinato. Não servia para este tipo de trabalho, preferia oferecer seus serviços às pessoas de outro modo.

Sua vida era sistemática, ele era sistemático. Tinha sempre o mesmo horário para fazer tudo, todos os dias, as mesmas coisas repetidamente. O que quebrava o seu padrão ritmado eram os “bicos” que ele fazia para sobreviver. Mas que também já estavam adquirindo um padrão próprio, pois eram trabalhos sempre realizados nos finais de semana. Rubens quebrou seu padrão ao entrar naquele bar, naquele Oasis. Havia se arrependido. Agora estava perturbado com a visão de arranha-céu de Carmen.

O senhor Gimenes fechou o bar pouco depois que Carmen foi embora. Ela era cabeleireira e ganhava a vida moldando os cabelos das pessoas, como se fossem vidas paralelas que ela resolvera redesenhar os caminhos e colorir. As cores de Carmen inundaram as mentes estagnadas no branco e preto de Rubens e Gimenes. Este fechou o Oasis visivelmente perturbado, alegando cansaço e foi para casa. Lá, deitou-se na sua cama e relembrou a sua juventude, quando era educador físico e tinha sonhos de construir uma academia. Terminara por construir um bar, Oasis, no bairro onde morava. O nome do bar fazia alusão ao que pretendia ser, um Oasis em meio aos problemas da vida, um lugar para esquecer que a vida sova o lombo de quem não se rende e aprisiona quem se sujeita ao ritmo da desilusão. Gimenes adormeceu, tinha 69 anos e trabalhava para esquecer que ainda estava vivo. Esquecia de sua vida ouvindo histórias que os frequentadores do bar lhe contavam. Mas, ocasionalmente, entrava alguém feito Carmen e o lembrava que a morte ainda não havia chegado. Chacoalhava a mesmice de sua vida diária com pensamentos de arranha-céus.

Rubens foi caminhando para casa. Resolveu mudar a trajetória e foi por um caminho mais longo até passar pelo centro da cidade. Na sua caminhada noturna, lembrou-se que tinha esquecido de se despedir de Carmen, a moça dos pensamentos de arranha-céus. A mulher que o perturbara a ponto de o fazer mudar o trajeto para casa. Os olhos distantes, mal acompanhavam os passos vagarosos, típico de mentes confusas e reflexivas. Passou em frente a um arranha-céu que havia no centro da cidade. Parou por um tempo e ficou olhando o prédio. Sacou um cigarro do bolso e acendeu. Carmen estava na sua mente, corroendo as suas desilusões, com aquele sorriso sonhador e aquele cigarro que nunca acabava. Parado, fumando, pensativo, o olhar de Rubens se perdia naquele prédio iluminado. “Pensamento de arranha-céu”, ele repetia em voz alta para si mesmo. Os olhos marejados remetiam a sua juventude quase toda perdida na realidade do dia a dia. “Carmen era feliz porque alimentava a vida com sonhos enquanto coloria e moldava os cabelos de suas clientes. Ele era frustrado e infeliz porque administrava doses diárias de veneno em forma de desilusões a sua vida”, pensava Rubens. “Carmen era um arranha-céu, ele era um sobrado velho, de janelas e portas carcomidas pelo tempo”, pensava Rubens. Seguiu seu caminho. Lembrou do seu desejo, sufocado pela rotina diária, de pular de paraquedas. Lembrou-se do casamento destruído pela monotonia da sua vida sem sabor. Sua vida era feito um prato de comida com pouco sal e nenhum tempero. Era feito um pêndulo de relógio, com direções que nunca se alteravam. Pegou o celular do bolso da calça e ligou para um grupo de paraquedistas, alguns deles eram seus amigos de infância, os quais ele não encontrava há muito tempo. Rubens iria saltar de paraquedas no domingo de manhã. Desligou o celular e sorriu para si mesmo. Sorriu para a lua, para as estrelas. Sorriu para a vida e para os seus desencantos. Olhou para trás e fez sinal de positivo para o arranha-céu. Carmen tinha conseguido colorir a mente de Rubens, nem que fosse por um momento, por alguns minutos que envolviam o salto de paraquedas e os pés no chão.

Conto publicado na Revista Fluxos - Blog A Liter Ação. V. 2, N. 5, em 29 de Setembro de 2021.

Link da revista: https://www.calameo.com/books/006354378d0ffd8213fb0

Imagem de Jason Goh por Pixabay 

 

terça-feira, 28 de setembro de 2021

Brevidade


Os sorrisos poderiam ter a brevidade das flores,

permaneceriam por mais tempo

belos, em singulares momentos.

 

A tristeza deveria ter a brevidade de uma piscadela atrevida,

de quem prefere cultivar o amor

ao invés de abrir feridas.

 

Os desejos têm a brevidade da fome,

momentaneamente saciados,

retornam exaltados,

urubus atrás de restos de vida.


Foto de Luci no Pexels


Desertoras do Tempo


Somos desertoras do tempo,

percorremos o universo

em carruagens de cometas.


Somos hologramas de ideias

esquecidas nas curvas do passado,

projetadas no infinito,

sincronizando sentimentos.

 

Somos o brilho perdido de estrelas cadentes,

coexistência de sentimentos,

sintonia de almas pungentes.

 

Somos rastros de poeira cósmica,

sopro de brisa no verão,

cheiro de chuva na primavera,

trovão!


Imagem de Ralph Klein por Pixabay